O dólar ladeira abaixo

Londres (Alô) - A desvalorização do dólar anima brasileiros com recursos para viajar ao exterior ou comprar artigos importados, pois o custo em reais cai. O mesmo ocorre no exterior, onde a moeda americana vem desabando. Já bateu recorde de queda contra o euro 40% nos últimos dois anos. Alegria de uns, preocupação de outros: e se o mundo abandonar o dólar como moeda internacional, de reserva e troca?

Economistas já vêm admitindo essa hipótese e consideram possível que ocorra, sobretudo se países como China e Japão tomarem a iniciativa de usar o euro para compra e venda de mercadorias e para guardar nos cofres do governo. Mais ainda, poderiam passar a investir em títulos (bonds, letras do Tesouro) emitidos em outras moedas.

Um dos efeitos imediatos seria a perda do monopólio que o governo dos Estados Unidos tem sobre a moeda-base do comércio e das operações financeiras internacionais, porque é o único que emite dólar. E se o resto do mundo menosprezar a compra de títulos do Tesouro americano, Washington terá mais dificuldade em financiar seus gigantescos déficits, mesmo com suas exportações beneficiadas por uma moeda mais barata.

Fantasia? Não na opinião de alguns especialistas com experiência no setor, como Richard Koo, economista-chefe do Instituto Nomura de Pesquisa, em Tóquio, parte do banco japonês do mesmo nome.

"Poderia ocorrer, sim", disse-me ele no intervalo de um seminário em Londres sobre economia internacional. "E o gatilho da crise poderia ser a pressão atual sobre a China, sobretudo por parte de Washington, para abandonar seu câmbio fixo em relação ao dólar".

Segundo Koo, a China provavelmente passaria a usar o euro em suas compras e vendas internacionais, além de comprá-lo para suas reservas. Isso faria o dólar perder mais valor, o que faria a China usá-lo também, mas só em parte, mantendo a maior parte das reservas e de seu comércio em euros.

No mesmo seminário, a economista Wendy Niffikeer-Butler, da consultoria Economic Research observou que embora o euro, em uso completo há cerca de cinco anos, ainda não tenha consolidado seu prestígio como moeda internacional, sua adoção para comércio e reserva por países de peso como China, Japão e Índia poderia desbancar o domínio mundial do dólar.

"Bastaria outros países seguirem a mudança, o que provavelmente aconteceria mesmo", disse ela.

Ameaças de abandono

Na última semana de novembro, o jornal "China Business News" noticiou que o governo chinês pretendia diminuir suas compras de títulos do Tesouro americano. Foi o que bastou para levar de imediato a uma desvalorização recorde do dólar em relação ao euro, tendência só aliviada quando os chineses desmentiram a intenção pelo menos por enquanto.

Poucos dias depois, um diretor do banco central russo disse que sua instituição estava considerando modificar a composição de suas reservas monetárias, possivelmente aumentando a fatia de euros. E o vice-presidente da organização disse que o banco passaria a atrelar o valor do rublo a uma cesta de moedas e não mais só ao dólar.

O governo americano não está nem aí para as preocupações do resto do mundo, como o desespero dos europeus ao verem suas exportações se tornarem muito caras, sobretudo para compradores no gigantesco mercado americano. Por isso mesmo, Washington não tem ligado para a desvalorização do dólar, pois as mercadorias americanas ficam mais baratas e podem conquistar mais mercados. Isso ajuda a cobrir o vasto déficit comercial dos Estados Unidos, hoje em torno de 400 bilhões de dólar por ano.

Mas o problema pode surgir em relação ao outro déficit enorme de Washington: o do orçamento. O governo Bush gasta muito mais do que arrecada (cerca de meio trilhão de dólares anuais no vermelho) e compensa o buraco como qualquer outro governo no mundo: pedindo emprestado. Faz isso vendendo títulos do Tesouro, papéis que não rendem muito mas que são apreciados pela segurança e estabilidade. Ou seja, o comprador ganha pouco mas não tem medo de levar calote. E quem mais compra são os asiáticos, sobretudo Japão e China.

Só que a desvalorização contínua do dólar (economistas garantem que vai continuar) está levando os bancos centrais nesses países, bem como o mercado privado comprador dos mesmos títulos, a reconsiderar suas aplicações. Como os papéis do Tesouro americano já pagam juros baixos e agora ainda vêm com uma moeda em queda constante, a tentação do investidor é ir variando aos poucos sua carteira e até depurá-la de vez da moeda americana.

No plano comercial, a bofetada final na moeda americana poderia vir com o abandono do dólar como forma de pagamento para a compra de petróleo. A OPEP Organização dos Países Produtores de Petróleo já pôs Washington de joelhos nos anos 70 com boicote da mercadoria e disparada de preços, por motivos políticos. Agora, em protesto contra as posições do governo Bush no mundo árabe, a OPEP poderia repetir a proposta que Saddam Hussein anunciou em 2000, de trocar o dólar pelo euro no comércio de petróleo.

Será que estamos a ponto de ver a substituição do dólar como moeda internacional de comércio e reserva? E logo agora que o Estados Unidos se consolidam como a única superpotência do mundo e país de mais forte economia no mundo, sua moeda perderia a hegemonia mantida há mais de meio século? A hipótese não é de todo absurda, até porque hoje o mundo tem uma alternativa no euro, que não existia quando crises semelhantes surgiram no passado.

A economista britânica Janet Bush está escrevendo um livro sobre o assunto, que ela aponta como o desmanche da hegemonia do dólar. A economista Bush (a coincidência do sobrenome dela é apenas mais uma ironia...) acha que os Estados Unidos estão a ponto de virar alvo de uma jihad monetária, que vai abalar não apenas sua economia, mas também a do resto do mundo. Mais um grande ajuste a caminho para a economia mundial.

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