Mas o que faço? (Final)

Termino aqui a descrição de uma semana típica na minha vida, atendendo a pedidos de leitores que, apesar das centenas de entrevistas e de uma biografia, acham que falo "muito pouco do cotidiano".
Quinta-feira: 1] Café-da-manhã com Mônica, minha agente e amiga, que passou menos de um dia em Paris, e gastou 10 horas conversando comigo (no mesmo lugar, pois detesta andar, apesar do lindo dia de outono). Ela parte para Barcelona, e eu vou para o computador verificar os e-mails, os pedidos de autorização, os convites (tudo já devidamente filtrado pelo escritório). Leitura de e-mails de leitores.2] a bobagem do dia fica por conta de Frei Betto, um religioso brasileiro, que até minutos antes eu considerava meu amigo, mas que é autor de uma coluna publicada em um jornal do interior, onde me ataca gratuitamente - melhor dizendo, ataca tudo que signifique "cultura popular". Com a internet, sabemos tudo. Mando um e-mail para ele cortando qualquer laço de amizade. Por precaução, mando cópias para todos os amigos comuns que temos, de modo a ter certeza que chegará em suas mãos.3] Juliette chega para pegar emprestado um sistema de som que ganhei enquanto estava em St. Moritz, na Suíça. É para a festa-surpresa de seu marido, que comemora 40 anos (parece que todo mundo ao meu redor está comemorando 40 anos). O sistema de som parece uma torradeira elétrica, mas na verdade emite impulsos digitais, o que permite que a música seja ouvida com a mesma intensidade e altura em uma sala para 200 pessoas. Nunca usei, mas pelo menos está ajudando uma amiga. 4] Caminhar uma hora, como sempre. Tiro com arco, como sempre. Escrever minha coluna semanal (que estão lendo agora). 5] Jantar com Chris em um restaurante japonês. Peço o mesmo prato. Não sei por que, sempre que vou a um restaurante novo e gosto do que comi, termino repetindo. Falta de imaginação, eu acho. Sexta-feira: 1] café-da-manhã, computador, caminhada. Atualização do blog diário. 2] Pego meu jornal e vou passar o dia no Champ de Mars, perto de meu apartamento em Paris. Fico olhando as pessoas se preparando para o inverno: a maior parte está tirando fotos da Torre Eifell ou falando no celular. Passo diante de um museu (Museu Branly), vejo que não tem fila e decido entrar. Exposição de arte indígena de vários continentes do mundo - começo a imaginar que há alguma coisa de errado com nossa civilização, já que estas tribos e pessoas são capazes de fazer trabalhos muito mais interessantes e contundentes que o que vemos hoje no terreno das artes plásticas. Mas não adianta reclamar nem escrever a respeito - existem teses e mais teses sobre os "conceitos artísticos" contemporâneos, que incluem uma vaca embebida em formol (vendida por 30 milhões de dólares) e duas paredes de ferro oxidado (preço em torno de 5 milhões de dólares). Acho que Frei Betto, em sua nova encarnação como intelectual de vanguarda, deve ter também uma tese defendendo isso. 3] Volto para casa, as malas estão prontas, o chofer espera, o carro se dirige para o aeroporto Charles de Gaulle. O vôo está marcado para as 22:15, mas a atual câmara de tortura (conhecida como "aeroporto") exige que estejamos lá uma eternidade antes. 4] Decolagem as 23:50 (uma hora de atraso). Passarei uns vinte dias no Brasil antes de ir para Frankfurt. Mas como sempre, não irei a nenhum restaurante da moda, o que significa que em breve estarei escutando a mesma pergunta: "quando é que você vem à sua terra?"Pelo que entendo, quem não vai a restaurante da moda não existe.

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