DESCER PARA SER ELEVADO

Sobre a visão cristã da glorificação pela humildade

Perscrutanto o Novo Testamento parece-nos patente que Jesus trouxe uma nova compreensão sobre a atitude existencial do ser humano. Salta-nos a olhos vistos, por exemplo, a reta compreensão do amor, não simplemente como assistencialismo, mas algo totalmente gratuito e sem limites, onde se ganha algo em dar. Não é objetivo aqui, adentrar no assunto da caridade cristã em específico, nem do amor em sua profundidade, apesar do assunto abordado ter relevante unidade com a compreensão da caridade e do amor. Mas aqui nos propomos olhar atentamente para a humildade, mas não apenas no estudo da virtude, mas como este rebaixamento, que parece-nos ser extremamente necessário para a glorificação em Cristo Jesus.

Tomo como texto fundamental as palavras de Jesus no evangelho de Mateus: “aquele que se humilhar será exaltado” (Mt 23,12b). Também Lucas escreve algo semelhante, “o que se humilha será exaltado” (Lc 23,12b) e novamente, “o que se humilha será exaltado” (Lc 18,14b). Não poderia deixar de comentar algo interessante: os evangelhos que falam claramente sobre isso são somente o de Mateus e Lucas, sendo que o de Marcos e João não chegam a formular a mesma idéia com tamanha clareza. Seria de pensar que estes dois evangelistas deixaram de dar valor a algo aparentemente tão importante? Penso que não, e isto o podemos concluir ao pensarmos que a mesma idéia expressa por Mateus e Lucas, nas palavras de Cristo, encontramos em Marcos e João em outros momentos e sob outra expressão. Por exemplo em Marcos, o que lemos a respeito do desprendimento de tudo inclusive da própria vida (cf. Mc 8,35b) por causa de Cristo é algo somente atingido pela consciência da pequenez, do não ter nada, isto tudo em vista de alcançar o “tudo”. Igualmente ao que fala Jesus sobre ser o último de todos (cf. Mc 9,35) e aquele que serve a todos, para que diante de Deus seja o primeiro. Em João podemos resumir todas as situações em que Jesus nos pressupõe esta diminuição para a elevação no seu prólogo (cf. Jo 1,1-5.14), onde deixa-nos evidente o rebaixamento daquele que é agora o modelo de vida para todos os homens.

Numa visão puramente humana, seria impossivel não determinar as palavras de Cristo como contradições dentro de um sistema lógico formal. Não há base para se aceitar que o rebaixamento eleve a dignidade de uma pessoa, na verdade se encontra argumento para aceitar que existam dignidades diferentes dentre os seres humanos. Na história humana já vimos muitas dessas idéias de classificação da dignidade dos seres humanos, ou seja, uns mais dignos que outros, chegando a conclusão de que em busca de um aparente bem, pode-se sacrificar as vidas dos humanos de dignidade inferior. A isto pode chegar uma pura lógica humana a respeito da dignidade que nos faz elevados. Aqui quero introduzir a palavra “glorificação”, porque é justamente esta palavra que mais estará de acordo com o ensinamento de Jesus, que expressa mais perfeitamente o destino dos que conscientemente e livremente se rebaixam.

O que é o rebaixamento? Como se dá? Falamos de rebaixamento como sinônimo de “descida”. Este rebaixamento é um despojamento, um abandono de tudo o que possuimos. Não estou falando apenas de bens materiais, mas falo daqueles “bens” que para alguns são tão mais caros que os próprios bens materiais. É justamente o abandono dos gostos e idéias próprios, das convicções pessoais a respeito do ser humano e da vida humana. É de modo geral, despojar-se de si, abrindo lugar, deixando lugar para outras coisas que não se sabe bem o que será, mas por saber-se confiado a Deus, não poderá ser algo mal.

Numa linguagem um tanto poética, rebaixar-se poderia se definir como deixar definhar a própria vida humana para encher de algo divino, algo que nosso próprio interior não pode superar em valor e dignidade. Talvez se possa dizer que o simples fato de conscientizar-se deste rebaixamento já é a seta indicando que a alma esta próxima do início deste processo. Digo próximo, porque ainda não é o início de um rebaixamento em vista da glorificação, pois o caminho interior para chegar a meta é árduo e doloroso, algo que deixa muita gente triste e desanimada, a ponto de abandonar esta necessária tarefa espiritual.

O cristão têm o exemplo chave para tal processo: Jesus em sua paixão! Ali temos todos os movimentos do ser humano, a conscientização, a angústia e a dor. O próprio Jesus, ao aproximar-se  daquele momento sentiu na pele o quanto é extremo o despojar-se daquilo que possui, desfazer-se da possibilidade de escapar dos sofrimentos vindos de tal decisão. Jesus não somente conscientizou-se da dimensão horrenda deste despojar-se, como teve mais certeza da necessária passagem por este momento antes de algo bom. É assim, que a paixão de Jesus Cristo, torna-se para o ser humano exemplo singular da necessária descida-despojamento de si e de todas as possibilidades de fuga quando o caminho já se apresenta. Este rebaixamento em Jesus já inciou-se na eterna mente Divina, se manifestando ao mundo criado no momento da Encarnação. Sua descida-humilhação seguiram os passos necessários até o momento de sua morte, como um verdadeiro itinerário para a humildade que o próprio ser humano deve cumprir.

A glorificação-elevação não é um momento excepcional neste processo, ela segue a descida do ser humano como consequência, mas sendo esta realizada com tal pressuposto, o de feito no exemplo de Jesus Cristo.

Esta glorificação-elevação é entendida como a restauração da plena dignidade do ser humano criado por e para Deus. Como não se pode conquistar esta plenitude nesta vida “terrena”, se entende que somente seremos glorificados-elevados quando deixarmos este mundo e unirmo-nos definitivamente com o Criador.

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