XIX Domingo do Tempo Comum

1Rs 19,9.11-13 Rm 9,1-5 Mt 14,22-33

Pe. Valderi da Silva

Fratres carissimi.

Ouvindo atentamente este Evangelho, não podemos deixar de contemplar a própria natureza humana impressa latentemente neste episódio.

Ouvimos que Jesus, após multiplicar os pães para saciar a fome das multidões manda que os discípulos entrem numa barca enquanto Ele mesmo despedia as multidões e fosse a um monte para orar. Podemos considerar isto como uma introdução da vida cristã, introdução daquele que recebe o batismo, daquele que ingressa na “vida como seguidor de Jesus Cristo”, pois este batizado é chamado pelo Senhor a subir na barca, onde encontramos os apóstolos, onde encontramos a Pedro, que em versículos posteriores será chamado pelo Senhor de cefas, onde edificaria Sua igreja.[1] Pois esta barca é a Igreja, onde encontramos os apóstolos e também a Pedro. O fato de estarmos reunidos num mesmo local é fundamental para que o Cristo possa se mostrar e salvar a todos. Dificilmente conseguiríamos encontrar a verdade sobre o Jesus, Filho de Deus, se não tivéssemos onde o encontrar, se não soubéssemos o local onde Ele realmente se manifesta, revelando a si mesmo e também a verdade sobre o ser humano.

Trantando este mandado do Senhor aos discípulos para que entrassem numa barca a Sua espera, como uma introdução da vida cristã, percebemos o quanto Nosso Senhor deseja revelar a nós mesmos nossa fragilidade, nossa fraqueza, quebrando definitivamente nossa prepotência ao considerarmos a nós mesmos como poderosos e indestrutíveis. Aqui vemos que somente aquele que reconhece a Deus como Ele é será capaz de quebrar esta falsa imagem de si mesmo! Vejamos o que nos disse o Evangelho: “A noite chegou, e Jesus continuava ali sozinho. A barca, porém, já longe da terra, era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário”[2]. O batizado vive da Graça de Deus, mas isto não exclui que a ele também chegará à noite, escuridão que o deixará como que cego, sem ver por onde andar; também encontrará a agitação de ondas, turbulência que se traduz em tantos inconvenientes da vida, desde uma doença inesperada até uma forte decepção; também enfrentará ventos contrários, contrários à vida cristã, contrários a fé na qual foi batizado. São muitas as noites, muitas as agitações e ventos contrários que existem para não deixar o cristão ser fiel a Deus e Sua Igreja.

Mas a passagem que mais revela nossa fragilidade humana e a força da fé acontecesse com Pedro. Depois de voltar de sua oração, sendo já tarde, por volta das três horas da madrugada, Jesus vai em direção à barca em meio ao mar caminhando sobre as águas. É compreensível que os tripulantes desta barca ficassem com medo, pois tendo todas as adversidades relatadas pelo evangelista – escuridão, ondas e vento contrário -, agora enxergam um vulto de um homem vindo a eles caminhando sobre o mar. O medo os tomou, pois o medo é reflexo de nossa fraqueza. E não digamos que existe um ser humano que não tenha medo, pois todos experimentam algum dia este sentimento. O medo não exclui a coragem, é engano pensar que tendo medo não podemos ter coragem! Medo é uma condição humana, enquanto que coragem é uma virtude humana.

Jesus percebendo o medo logo os tranquiliza revelando-se em meio à escuridão, “coragem! Sou Eu. Não tenhais medo!”[3]. Em meio às trevas de nossas dificuldades é o Cristo quem toma a iniciativa, e fala-nos com voz firme, “coragem”. Pois é fato, que sem coragem não conseguimos enfrentar os revézes da vida, e muitos menos enfrentá-los com serenidade a não ser com Deus. A Igreja, como barca em meio ao mar agitado deste mundo, nunca pode se apartar de Nosso Senhor por este motivo, pois sem Ele afundamos sem Ele o medo cresce fatalmente, fazendo com que percamos a vida, percamos a Deus.

A figura de Pedro neste episódio é metáfora do ser humano que encontrou a Cristo, mas que ainda é repleto de fragilidade, que ainda vacila na fé, que muitas vezes se vê tão agitado pela vida, pelos ventos contrários que não consegue manter o foco naquele que nos faz caminhar sobre as agitações, que nos faz caminhar sobre as turbulências que a vida corruptível deste mundo oferece. Este Pedro, encorajado pela palavra de coragem de Jesus pede ao Senhor para ir andando sobre as águas até Ele. Seus primeiros passos são cheios de fé, cheios de confiança no milagre, mas sua fé ainda é pequena, sua fé ainda não o faz “mover montanhas”, e menos ainda caminhar sobre as águas. Observemos que Jesus “não lhe disse: ‘incrédulo’, mas ‘homem de pouca fé’, e que acrescentou: ‘por que duvidaste? ’, como alguém que, apesar de ter um pouco de fé, vacila e não se comporta de modo contrário” ao que professa.[4]

Diante do vacilo, diante da queda, quem nos socorre? Pedro, “sentiu o vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou: ‘Senhor, salva-me!’”[5]. Pedro, como todos nós, precisa se agarrar na mão Daquele que pode nos salvar do afogamento, segurar na mão Daquele que nos tira da morte, levantando-nos novamente para a beleza da vida.

Termino com as palavras de Santo Agostinho:

Considerai o mundo como se fosse o mar: vento fortíssimo, tempestade violenta. Para cada um de nós, suas paixões são uma tempestade. Amas a Deus: andas sobre o mar, sob os teus pés ruge a agitação do mundo. [Se] amas ao mundo: ele te engolirá. Ele sabe devorar, não suporta os seus adoradores. Porém, quando o sopro da concupsciência agita teu coração, para vencer tua sensualidade invoca sua divindade. E se teu pé vacila, se hesitas, se existe algo que não consegues superar, se começas a te afundar, diz: Senhor, salva-me, porque estou afundando! Porque só te livra da morte da carne aquele que na carne morreu por ti.[6]


[1] Cf. Mt 16,18

[2] Mt 14,23-24

[3] Mt 14,27

[4] Cf. ORÍGENES. Comentário ao Evangelho de São Mateus 11,6-7. PG 13,919-923.

[5] Mt 14,30

[6] SANTO AGOSTINHO. Sermo 76,1.4-6.8-9. PL 38,479-483.

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