Entrevista esclarecedora do Cardeal Raymond Leo Burke

Cardeal Raymond Leo Burke após cerimônia no Rito Extraordinário

Tirado de InfoCatólica | Tradução do espanhol por Blog VALDERI.

(JSJ/InfoCatólica, 21/05/15O Cardeal lamenta a campanha negativa que se promoveu contra ele. Sessenta e seis anos, ordenado bispo por São João Paulo II em 1995, reconhecido especialista em Direito Canônico, foi chamado a Roma por Bento XVI em 2008 como Prefeito do Tribunal da Assinatura Apostólica, para depois ser nomeado cardeal em 2010.
Nestes meses tem sido apresentado como fanático ultraconservador, anticonciliar, conspirador contra o Papa Francisco, inclusive a ponto de um cisma  no caso de que o Sínodo se abra a mudanças não desejadas. A campanha é tão forte que na Itália vários bispos se negaram a dar lugar a suas conferências em suas dioceses. E quando, em algum permitem-lhe celebrar alguma reunião - como recentemente em algumas cidades do norte da Itália - não faltam sacerdotes que se queixam, acusando de difundir propaganda contra o Papa:
São tolices, simplesmente não compreendo esta atitude. Nunca disse uma só palavra contra o Papa, me esforço unicamente em servir a verdade, uma tarefa que todos temos. Sempre vi meu trabalho, minhas atividades, como um apoio ao ministério petrino. As pessoas que me conhecem podem dizer que absolutamente não sou um antipapista. Ao contrário, sempre fui muito leal, e sempre quis servir ao Santo Padre, algo que faço também agora.
De fato, ao encontrar-lhe em seu apartamento, a dois passos da praça de São Pedro, com seu caráter afável, e seu falar espontâneo, lo vemos muito diferente da imagem de defensor severo da "fria doutrina", como vem descrevendo-o a imprensa dominante.
***
- Cardeal Burke, com tudo, no debate  que precedeu e seguiu a Primeira Sessão do Sínodo sobre a Família, certas declarações suas soaram efetivamente como uma crítica ao Papa Francisco, ou pelo menos assim foram interpretadas. Por exemplo, recentemente provocaram muito barulho suas palavras: "Resistirei, resistirei" como resposta a uma eventual decisão do Papa que concederia a comunhão aos divorciados que voltam a se casar.
- Sem dúvida foi uma frase distorcida; não fazia referência ao Papa Francisco. Creio que sempre falei com claridade sobre a questão do matrimônio e da família; existe que queira neutralizar-me acusando-me de ser inimigo do Papa, ou inclusive de estar disposto a proclamar um cisma, simplesmente usando a resposta que dei em uma entrevista a uma televisão francesa.

- Então, como devemos interpretar estas palavras?
- É muito simples. O jornalista me perguntou o que faria se hipoteticamente - nunca se referiu ao papa Francisco - tomasse decisões contra a doutrina e contra a práxis da Igreja. Disse-lhe que deveria resistir, porque todos estamos a serviço da verdade, começando pelo Papa. A Igreja não é um organismo político, no sentido de poder. O poder é Jesus Cristo e seu Evangelho. Por isso respondi que resistirei, e não seria a primeira vez que isto aconteceria na Igreja. Há vários momentos na história em que alguém fez frente ao Papa, começando por São Paulo diante de São Pedro na questão dos judaizantes, que queriam impôr a circuncisão aos convertidos helênicos. Mas em meu caso não estou fazendo em absoluto resistência ao Papa Francisco, porque ele não fez nada contra a doutrina. E não me vejo em luta contra o Papa, como alguns querem aparentar. Não estou levando adiante os interesses de algum grupo ou partido, busco somente como cardeal ser mestre da fé.

- Outra imputação que se coloca em sua conta é a sua aparente paixão por "rendas e enfeites", como se diz de modo depreciativo, coisa que o Papa não suporta.
- O Papa não me fez saber nunca que esta desgostoso por minha forma de vestir, que por outra parte esteve sempre dentro das normas da Igreja. Celebro a liturgia também na forma extraordinária do Rito Romano e para este existe ornamentos que não existem para celebração em forma ordinária, mas sempre ponho aquilo que a forma prevê para o rito que estou celebrando. Eu não faço política contra a forma de vestir do Papa. Ademais, temos que dizer que cada Papa tem seu próprio estilo, mas que não o impõe a todos os demais bispos. Não entendo porque isto têm que ser motivo de polêmica.

- Os periódicos frequentemente utilizam uma fotografia no qual o senhor leva um chapéu notoriamente de outra época...
- Ah, essa, mas é inacreditável. Posso explicar-lhe. É uma fotografia que foi difundida depois que Il Foglio lhe utilizou para publicar uma entrevista que me fizeram durante o Sínodo. A entrevista estava bem feita, mas desafortunadamente usaram uma foto fora de contexto, e me entristece porque desta forma passaram uma imagem deformada como de uma pessoa que vive no passado. Aconteceu que, depois de ser nomeado cardeal, fui convidado a uma diocese do sul da Itália para dar uma conferência sobre liturgia. Para a ocasião, a organização quis dar-me de presente um antigo chapéu cardinalício, que desconheço como o conseguiram. Obviamente o tinha na mão e não tinha intenção alguma de usá-lo regularmente, mas me pediram para fazer pelo menos uma foto com chapéu na cabeça. Esta foi a única vez que pus aquele chapéu na minha cabeça. Mas, no entanto, aquela foto deu a volta ao mundo e muitos usaram para dar a impressão de que me visto assim diariamente. Mas nunca o usei, nem sequer em alguma cerimônia.

- O senhor foi apontado como o inspirador, ou pelo menos o promotor da "Súplica ao Papa Francisco sobre a Família", que se difundiu para recolher assinaturas através de algumas páginas web do mundo tradicionalista.
- Eu assinei este documento, mas não é uma iniciativa nem ideia minha. Tampouco escrevi ou colaborei na redação do texto. Quem diga o contrário, mente. Pelo que sei, é uma iniciativa de leigos; foi-me mostrado o texto e eu assinei, como fizeram outros muitos cardeais.

- Outra acusação que lhe fazem é de ser anti-conciliar, de estar contra o Concílio Vaticano II.
- São rótulos que se aplicam facilmente, mas não possuem uma base real. Toda a minha educação teológica no seminário maior esteve baseada sobre os documentos do Concílio Vaticano II, e me esforço também hoje em estudar mais profundamente os documentos. Não estou contra o Concílio, e se alguém lê meus escritos verá que cito muitas vezes os documentos do Vaticano II. No entanto, com o que não estou de acordo é com o assim chamado "Espírito do Concílio", essa interpretação do Concílio que não é fiel ao texto dos documentos e que tem a intenção de criar algo totalmente novo, uma nova Igreja que não tenha nada que ver com todas as assim chamadas aberrações do passado. Nisto sigo totalmente o brilhante apresentação que fez Bento XVI em seu discurso à Cúria Romana no Natal de 2005. É o famoso discurso no qual explica a corrente hermenêutica da ruptura na descontinuidade, que tantos setores levam adiante. A intervenção de Bento XVI realmente é brilhante e explica tudo. Muitas que aconteceram depois do Concílio e atribuídas ao Concílio, não tem nada a ver com o Concílio. Esta é simplesmente a verdade.

- Mas isto não tira o fato de que o Papa Francisco lhe castigou destituindo-lhe da Assinatura Apostólica e confiando-lhe o Patronato da Soberana Ordem Militar de Malta.
- O Papa concedeu uma entrevista ao diário argentino La Nación no qual respondeu a esta pergunta, explicando as razões desta eleição. Sobre isto já disse tudo e não é necessário que se comente mais a respeito. Só posso dizer, sem violar nenhum segredo, que o Papa nunca me disse nem me deu a impressão de que desejava castigar-me por algo.

- O certo é que sua "má imagem" tem a ver com o que o Cardeal Kasper, nos últimos dias, definiu como "a batalha sinodal". Isto parece crescer em intensidade a medida em que se aproxima o
Cardeal Walter Kasper
Sínodo Ordinário no próximo mês de outubro. Em que ponto estamos?

- Direi que agora há um debate muito mais amplo sobre os temas tratados no Sínodo e isso é positivo. Há um número maior de cardeais, bispos e leigos que estão intervindo e isso é muito positivo. Por isso não compreendo todo o rumor que se criou o ano passado em torno ao livro "Permanecer na Verdade de Cristo", no qual contribuo junto com outros quatro cardeais e quatro especialistas sobre o matrimônio.

- E aí é onde nasce as teses de complô contra o Papa, tese reafirmada recente por Alberto Melloni no Corriere della Sera e que lhe custou uma querela do editor italiano Cantagalli.
- É simplesmente absurdo. Como é possível acusar de complô contra o Papa àqueles que apresentam o que a Igreja sempre ensinou e praticou sobre o matrimônio e a comunhão? É certo que o livro foi escrito como ajuda em vista do Sínodo para responder a tese do Cardeal Kasper. Mas não é polêmico, é uma apresentação fidelíssima da tradição, e é da mais alta qualidade científica possível. Estou absolutamente disposto a receber críticas sobre conteúdos, mas dizer que participamos de um complô contra o Papa é inaceitável.

- Mas quem esta motivando esta caça as bruxas?
- Não tenho nenhuma informação direta, mas seguramente se trata de um grupo que quer impôr à Igreja não só esta tese do cardeal Kasper sobre a comunhão para os divorciados recasados ou para pessoas em situação irregular, mas também outras posições sobre questões relacionadas com os temas do Sínodo. Penso, por exemplo, na ideia de encontrar os elementos positivos nas relações sexuais extramatrimoniais ou homossexuais. É evidente que há forças que empurram para esta direção, e por isto querem desacreditar aos que estão tratando de defender o ensinamento da Igreja. Eu não tenho nada pessoal contra o Cardeal Kasper, mas para mim a questão é simplesmente apresentar o ensinamento da Igreja, que neste caso esta vinculada as palavras pronunciadas pelo Senhor.

- Em referência a alguns temas que surgiram com força no Sínodo, voltou-se a falar no lobby gay.
- Não sou capaz de indicar com precisão, mas vejo que há uma força que vai nesta direção. Vejo gente que, consciente ou inconscientemente, estão levando adiante uma agenda homossexualista. Como isto esta organizado eu não sei, mas é evidente que há uma força deste gênero. No Sínodo dissemos que falar de homossexualidade não tinha nada que ver com a família, mas bem que deveria se ter convocado um sínodo especial se desejavam falar deste tema. E, pelo contrário, encontramos na Relatio post disceptationem este tema que não havia sido discutido pelos padres sinodais.

- Uma das justificações teológicas em apoio ao cardeal Kasper que vem sendo muito repetida atualmente é a do "desenvolvimento da doutrina". Não é uma mudança, mas um aprofundamento que pode conduzir a uma nova práxis.
- Aqui existe um grande mal entendido. O desenvolvimento da doutrina, como, por exemplo, foi apresentado pelo Beato Cardeal Newman e por outros bons teólogos, significa um aprofundamento na apreciação, no conhecimento de uma doutrina, não a mudança da doutrina. O desenvolvimento leva em nenhum caso a mudança. Um exemplo é o da Exortação pós-sinodal sobre a Eucaristia, escrita pelo Papa Bento XVI, a Sacramentum Caritatis, na qual se apresentou o desenvolvimento do conhecimento da presença real de Jesus na Eucaristia, expressada também na adoração eucarística. De fato, houve alguns contrários a adoração eucarística porque a Eucaristia é para recebê-la dentro de si mesmo. Mas Bento XVI explicou, citando Santo Agostinho, que sendo certo que o Senhor dá-se a nós na Eucaristia para ser consumido, também é certo que não se pode reconhecer esta realidade da presença de Jesus sob as espécies eucarísticas sem adorar estas espécies. Isto é um exemplo do desenvolvimento da doutrina, mas não é que a doutrina da presença de Jesus na Eucaristia foi mudada.

- Um dos motivos que se volta a polêmica no Sínodo é a aparente contrariedade entre doutrina e práxis, doutrina e misericórdia. Também o Papa insiste muito sobre a atitude farisaica de quem usa a doutrina impedindo que entre o amor.
- Creio ser necessário diferenciar entre aquilo que disse o Papa em alguma ocasião e aqueles que afirmam uma contrariedade entre doutrina e práxis. Não se pode nunca admitir na Igreja um contraste entre doutrina e práxis porque nós vivemos a verdade que Cristo nos comunica em sua Santa Igreja e a verdade não é nunca uma coisa fria. É a verdade que nos abre um espaço para o amor; para amar verdadeiramente se deve respeitar a verdade da pessoa, e da pessoas nas situações particulares nas que se encontra. Assim que estabelecer algum tipo de contraste entre doutrina e práxis não refletirá a realidade de nossa fé. Quem sustenta a tese do cardeal Kasper - uma mudança na disciplina que não mudaria a doutrina - deve explicar como isso seria possível. Se a Igreja admite a comunhão a uma pessoa que esta ligada em um matrimônio, mas que esta vivendo com outra pessoa outra relação matrimonial - quer dizer, que esta em situação de adultério -, como se pode permitir isto e manter ao mesmo tempo que o matrimônio seja indissolúvel? Esta contrariedade entre doutrina e práxis é um falso contraste que devemos rejeitar.

- Mas é certo que se pode usar a doutrina sem o amor?
- Claro, e isso é o que o Papa esta denunciando, um uso da lei ou da doutrina para promover uma agenda pessoal, para dominar as pessoas. Mas isto não significa que exista um problema entre a doutrina e a disciplina. Somente que há pessoas de má vontade que podem cometer abusos, por exemplo interpretando a lei de um modo que prejudique as pessoas. Ou aplicando a lei sem amor, insistir sobre a verdade da situação da pessoa mas sem amor. Quando uma pessoa se encontra em pecado grave, nós devemos amar esta pessoa e ajudá-la como fez o Senhor com a adúltera e a samaritana. Ele foi muito claro ao anunciar o estado de pecado em que se encontravam, mas ao mesmo tempo mostrou um grande amor convidando-as a sair daquela situação. O que não fizeram os fariseus, que mostravam um cruel legalismo: denunciavam a violação da lei mas sem prestar nenhuma ajuda às pessoas para sair do pecado, a fim de encontrar a paz em sua vida.
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