Kertzer quer colocar a Igreja no banco dos réus?

Sempre acreditei que uma mente honesta, que procura o conhecimento necessário para atingir a sabedoria ao alcance da contingência humana, precisa fugir de vez em quando daquela rotina de leituras que pode tornar sua mente unilateral, obtusa, tornando-a mais e mais calcificada na intolerância e vestindo-a com o manto da "alienação".
Seguindo este pequeno princípio é que aventurei-me na leitura de "O Vaticano e os Judeus: Os papas e a ascensão do anti-semitismo moderno", do professor de antropologia da Brown University (EUA), David I. Kertzer. Apesar de lecionar antropologia, seu livro é mais uma tentativa de obra histórica, ou de resgate histórico.
O livro se estrutura em três partes, (1) "mantendo os judeus em seu lugar", (2) "a Igreja e a ascensão do anti-semitismo moderno", e (3) "nas vésperas do Holocausto". Em cada uma destas partes esta a grande coletânea de dados históricos que o autor se esforçou em coletar para reforçar sua tese principal, ou seja, a Igreja Católica teve sim um grande papel naquilo que terminou num dos maiores genocídios da história da humanidade. O autor têm grande mérito por sua pesquisa histórica, pois convenhamos não deve ter sido muito fácil ler inúmeros documentos em vários arquivos, especialmente nos Arquivos Secretos do Vaticano, ao qual ele ficou muito grato visto a impossibilidade de encontrar estes arquivos em outra parte a não ser ali, sob a tutela daquela instituição que o autor incrimina de forma bastante direta pelo fato histórico da morte de milhares de judeus.
É evidente que, mesmo me dispondo a ler tal estudo histórico, não pude deixar de observar duas coisas: a perceptível antipatia do autor pela instituição que "investiga" em sua obra e a tentativa frustrada de ser imparcial na apresentação dos dados históricos.
Para aqueles que lerem o livro de "cabo a rabo", será perceptivo um certo ranço pela Igreja e sua teologia. Não sei de fato se ele têm alguma ascendência judaica, ou professa qualquer outra fé, mas certamente sua linguagem e apresentação dos dados históricos não conseguiram atingir aquele neutralismo que ele mesmo diz pretender no seu livro.
De fato, os dados são históricos, verdadeiros, pois não há como negar sua existência mediante inúmeras citas bibliográficas, desde os pronunciamentos papais, cartas, bilhetes, correspondências trocadas ente legados papais, cardeais e bispos, até os artigos citados em jornais de cunho católico que assumiram uma certa campanha anti-semita. Também a existência de grande sentimento contrário a legalidade dos judeus através de contatos civis, como chefes de Estados e Príncipes. Não se pode negar estes dados no livro, e muito menos diminuir a existência de tais documentos, mas o que questiono é a apresentação que fez tal autor. Pois também é fato que, se apresento uma seleção de dados de maneira descontextualizada - e estamos tratando de 125 anos que foram os abrangidos pelo livro -, corro grande perigo de anacronismo, de julgar atitudes e pensamentos passados, com a mente de hoje, e pior, exigir punição por algo de séculos atrás. Não que o autor tenha expressado o desejo de punição á Igreja pelo Holocausto, mas sua ousadia em dizer que a Igreja têm grande culpa, senão a maior de todas, pelo ódio aos judeus que culminou na campanha nazista, é simplesmente fora da honestidade, é um absurdo total. É colocar no banco dos réus aquela que ajudou comprovadamente milhares de judeus a escaparem das garras vorazes da ideologia nazista.
Na minha opinião, quem deseja falar da história da Igreja precisa estudar antes alguns princípios básicos de teologia católica, pois mesmo o anti-semitismo "bom" que Pio XI admitia, nasce de uma compreensão de superação da fé judaica pela mensagem salvífica deixada por Cristo. E depois, no mundo de hoje, já se têm clara a ideia de separação do Estado e da Igreja, algo que a muito trabalho aconteceu no passado, pois os próprios fundamentos da sociedade e do Estado de direito necessitou primeiramente da própria Igreja para existir.
Contudo, é preciso se inteirar de estudos históricos deste período, pois se trata de um período ainda recente para nós, mas que deve ser estudado... pesquisado com o cuidado de quem coloca-se no tempo e no espaço daqueles personagens reais, que sofreram as agruras reais, nos diferentes lados e nas diferentes perspectivas.
KERTZER, David I. O Vaticano e os Judes: Os papas e a ascensão do anti-semitismo moderno. Editora Rocco: Rio de Janeiro, 2003. 414 páginas.
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